Split Fiction – Análise

Lançado em março de 2025, Split Fiction é o mais recente projeto da Hazelight Studios, um estúdio já conhecido por reinventar a experiência de jogo cooperativo com títulos como It Takes Two e A Way Out. Desta vez, a equipa liderada por Josef Fares decidiu mergulhar ainda mais na fusão entre mecânicas criativas e narrativa, apresentando-nos uma aventura que não só celebra o poder da cooperação, como também nos transporta por mundos de pura imaginação – literalmente. O jogo está disponível para PlayStation 5, Xbox Series X|S e PC, e é exclusivo para dois jogadores, mantendo o ADN que tornou a Hazelight uma referência no género.

A história de Split Fiction gira em torno de duas escritoras, Mio Hudson e Zoe Foster, que, embora desconhecidas uma da outra, acabam envolvidas num mesmo projeto experimental que pretende transformar a criatividade humana em experiências imersivas. A ideia, inicialmente promissora, rapidamente descamba quando a tecnologia utilizada acaba por fundir as narrativas de ambas, aprisionando-as nos mundos fictícios que criaram. Assim, cada uma vê-se confrontada não só com os perigos do seu próprio imaginário, mas também com o universo da outra – e com a necessidade de colaboração para escaparem juntas. O ponto de partida é simples, mas carrega consigo temas profundos sobre identidade, criação, egos em confronto e, acima de tudo, a capacidade de empatia e compromisso que só nasce da verdadeira cooperação.

A jogabilidade em Split Fiction é construída com uma atenção ao detalhe notável. Ao longo de cerca de 12 horas de campanha, os jogadores percorrem mundos que alternam entre fantasia clássica e ficção científica futurista, com transições que são não só visuais como mecânicas. Cada secção introduz novas formas de interação com o ambiente, exigindo que os jogadores se adaptem constantemente. Num momento estás a cavalgar um grifo sobre uma cidade medieval em ruínas, no outro estás a manipular o tempo num laboratório orbital onde o passado e o futuro colidem. Esta variação não parece forçada – pelo contrário, surge naturalmente a partir da forma como as personagens interagem com os seus próprios mundos narrativos. As habilidades são sempre complementares: onde uma personagem domina elementos mágicos, a outra resolve enigmas com gadgets tecnológicos, criando um equilíbrio divertido e estratégico.

O mais impressionante é como o jogo consegue que esta constante reinvenção das mecânicas não pareça uma sucessão de minijogos, mas sim uma progressão coesa. O design dos níveis foi claramente pensado para que ambos os jogadores tenham sempre algo significativo para fazer – e mais do que isso, que o consigam apenas se colaborarem. A Hazelight aperfeiçoou a fórmula de obrigar à cooperação sem que ela pareça forçada ou artificial. Tudo se sente orgânico, quase como uma coreografia onde cada jogador tem o seu papel bem definido, mas com espaço para criatividade, improviso e até algum caos divertido.

Narrativamente, o jogo vai muito além da simples jornada de fuga. A relação entre Mio e Zoe desenvolve-se gradualmente, com momentos de tensão, diálogo carregado de subtexto e pequenas revelações emocionais que humanizam as duas protagonistas. Esta construção emocional é reforçada pelas “Side Stories” – pequenas histórias secundárias escondidas nos mundos fictícios que, além de aprofundarem o lore do jogo, oferecem novos desafios e recompensas. Estas missões secundárias não são opcionais no impacto narrativo: permitem perceber quem eram estas duas mulheres antes de tudo começar e porque é que, afinal, não poderiam ter escapado uma sem a outra.

Graficamente, Split Fiction é um espetáculo. A Hazelight usou o Unreal Engine 5 de forma exemplar, criando ambientes com iluminação dinâmica, texturas detalhadas e um uso inteligente da física e dos efeitos de partículas. Mas mais do que o realismo técnico, o que brilha aqui é a direção artística. Os mundos de fantasia são repletos de cores vibrantes, criaturas excêntricas e arquitetura inspirada em mitologias diversas. Já os cenários de ficção científica optam por um visual mais limpo, metálico, com tons frios e um design que parece saído de um filme de Ridley Scott. A forma como o jogo brinca com a dualidade estética é um dos seus maiores trunfos visuais.

A banda sonora acompanha este tom com igual cuidado, variando consoante o género de cada cenário e criando temas memoráveis que reforçam o ambiente e as emoções das personagens. O trabalho de vozes também é digno de nota: tanto Mio como Zoe são interpretadas com nuance e profundidade, tornando crível a evolução da relação entre elas ao longo da aventura. Não faltam momentos de humor, tensão ou vulnerabilidade – todos entregues com uma naturalidade que ajuda o jogador a sentir-se parte da história.

No campo técnico, a experiência é sólida. O jogo corre de forma estável nas três plataformas onde está disponível, com tempos de carregamento mínimos e transições suaves entre áreas. A única exigência real é que os dois jogadores estejam sempre conectados – seja em partilha de ecrã local ou online. Isso pode ser um entrave para quem prefere jogar a solo, mas para quem já conhece a proposta da Hazelight, esse nunca foi o objetivo. Split Fiction é um jogo desenhado de raiz para dois, e vive plenamente dessa escolha criativa.

O sucesso não foi apenas artístico. Em termos comerciais, Split Fiction vendeu mais de um milhão de cópias nos primeiros dois dias após o lançamento e rapidamente duplicou esse número na semana seguinte. A crítica especializada acompanhou este entusiasmo, com pontuações elevadas em praticamente todas as publicações relevantes e destaque para a forma como o jogo consegue reinventar-se a cada capítulo sem perder identidade.

Se há críticas a apontar, prendem-se sobretudo com a forma como o jogo aborda a dicotomia entre fantasia e ficção científica. Para alguns jogadores e analistas, essa oposição parece um pouco forçada, como se estivesse a tentar criar uma rivalidade entre géneros que, nos dias de hoje, já coexistem pacificamente na cultura pop. Felizmente, esta crítica não afeta o cerne da experiência, mas é um lembrete de que a narrativa, apesar de sólida, poderia ter sido mais ousada na forma como mistura os dois mundos, em vez de os tratar como polos opostos.

Opinião Final:

Split Fiction é, sem dúvida, uma obra marcante. Não só pela execução técnica ou pela criatividade nas mecânicas, mas sobretudo pela forma como consegue tornar a cooperação entre dois jogadores numa experiência emocionalmente rica e memorável. É um jogo que sabe contar uma história e sabe, acima de tudo, como fazer com que essa história só possa ser contada a dois.

Do que gostamos:

  • Cooperação verdadeiramente integrada na jogabilidade;
  • Estilo visual marcante e bem equilibrado;
  • Narrativa emocional e envolvente.

Do que não gostamos:

  • Impossibilidade de jogar a solo;
  • A oposição entre fantasia e ficção científica parece um pouco artificial;
  • Alguns puzzles podem ser frustrantes sem boa comunicação.

Nota: 9/10

Análise efetuada com um código PlayStation 5 cedido gentilmente pela distribuidora.