“Um Homem Fiel” – Cinema Análise

Não há dúvidas de que a França, a par do Reino Unido e da Alemanha, é dos maiores produtores de cinema europeu. Com um estilo próprio e que se reconhece rapidamente, mesmo que o filme que estejamos a ver seja mudo, o cinema francês tem uma história singular e é por muitos considerado o berço desta arte icónica. Tentando muitas vezes fugir à comparação com a gigante Hollywood, o cinema francês é como aquele parente excêntrico que todos temos, para o qual todos olhamos com desconfiança, mas que admiramos secretamente. É certo que nem todos os frutos cinematográficos gauleses são dignos de aplausos, salvaguardando, claro está, o gosto pessoal de cada um de nós. No entanto, filmes como Amélie (2001), esse grande querido do público, ou A Prophet (2010), filme de um dos mais respeitados autores franceses da atualidade, patenteiam o poder e a força desta marca europeia na sétima arte.

Desta vez, olhamos para o filme L’homme fidèle, ou se preferirem, Um homem fiel. Dirigido e protagonizado por Louis Garrel, que interpreta a personagem Abel, estamos perante a história de um triângulo amoroso, que conta ainda com a participação de Laetitia Casta (Marianne) e Lily-Rose Deep (Eve). O enredo tem início com a notícia que Marianne dá a Abel, seu namorado há mais de três anos: Marianne está grávida, mas, ao que tudo indica, Abel não é o pai. Desta feita, e após dizer a Abel que o pai do filho é o seu melhor amigo, Marianne convida o então namorado a abandonar a casa que partilham, pois pretende casar com Paul, o pretenso pai da criança. É a partir daqui que começamos a perceber toda a tragicomédia que vai caracterizar o filme. Estaríamos à espera de uma saída dramática, mas aquilo que vemos é um Abel soturno que acata passivamente a decisão da namorada e desaparece da vida dela. Com uma atmosfera melancólica e quase invernal, percebemos que o estado de espírito de Abel é acompanhado por todos os elementos que caracterizam o filme, o que lhe confere um sentido estético singular, bem ao estilo francês.

Passam-se nove anos e o marido de Marianne morre. No entanto, estes nove anos não foram suficientes para que Abel esquecesse a ex-namorada, restabelecendo contacto com esta, no funeral daquele que foi em tempos o seu melhor amigo. Somos aqui apresentados a duas novas personagens. Eve (Lily-Rose Deep) – a irmã do marido falecido de Marianne que vive apaixonada por Abel desde a sua adolescência; e Joseph (Joseph Engel) – filho de Marianne, e que desde logo nos apercebemos se tratar de uma criança peculiar.

Sem perder os traços cómicos e bizarros com que a relação romântica é retratada, avançamos no enredo para aquilo que parece, à primeira vista, cenas de um romance rebuscado. Marianne e Abel reatam o relacionamento, à margem das vontades de Joseph e Eve. O primeiro porque olha com desconfiança para este homem que namora com a mãe, e a segunda porque vive obcecada com Abel, a personificação do suprassumo masculino idealizado na sua adolescência. Desta feita, a trama adensa-se quer porque Joseph planta na mente de Abel a ideia de que foi a mãe quem matou o pai, quer porque Eve confrontar Marianne, avisando-a de que irá lutar por aquilo que ela acredita ser amor por Abel.

Mantendo-nos dentro do triângulo amoroso, verificamos, um pouco estupefactos, que Marianne sugere a Abel que a deixe e inicie um romance com Eve. Não fosse esta sugestão surpreendente o suficiente, olhamos novamente para um Abel impávido que aceita a sugestão estoicamente, quase como se não tivesse parte ativa nas decisões fulcrais da sua vida. Abel começa então o seu relacionamento com a deslumbrada Eve, que cedo se cansa dele, rapidamente percebendo que os encantos deste belo espécime masculino tinham tanto de verdadeiro como de imaginário.

Não querendo entrar em mais detalhes sobre o filme e também porque a magia do cinema está em descobrir por nós próprios o brilhantismo das narrativas, das cores e dos planos, o que Louis Garrel nos oferece em L’homme fidèle é um drama cómico bem ao estilo francês, que faz uso de pequenos detalhes sublimes para retratar as relações amorosas. A um nível mais social, percebemos que é em Marianne, uma mulher francesa misteriosa e sem subterfúgios, que se encontra o ponto central das decisões tomadas. Ainda hoje assistimos a um domínio do homem sobre a mulher no quesito das relações românticas e com estes 75 minutos, o realizador tenta desmistificar esse domínio com pormenores requintados, tais como a passividade com que o protagonista Abel aceita o seu destino.

Opinião Final:

L’homme fidèle é um filme para todos os entusiastas do cinema francês, mas também para os mais céticos que olham de lado para a sua europeia singularidade. Vemos temas tão atuais, mas ainda assim tão antigos como as traições amorosas. As relações humanas e românticas são abordadas com uma leveza única que confere ao filme a típica excentricidade francesa, sem deixar de nos fazer pensar nas entrelinhas subliminares abordadas.

Do que gostamos:

  • Melancolia da imagem em consonância com o estado de espírito e personalidade da personagem principal;
  • Excentricidade das personagens, principalmente de Marianne.

Do que não gostamos:

  • Pouca exploração das teorias de Joseph em relação ao possível assassinato do pai.

 

Nota: 7/10


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