Vampyr – Análise

A Dontnod Entertainment alcançou grande fama com o lançamento de Life is Strange, uma narrativa gráfica que nos leva até Arcadia Bay, no papel de uma adolescente, Max, que passa a poder recuar breves intervalos de tempo. Contudo, o primeiro lançamento do estúdio não foi Life is Strange, mas sim Remember Me, jogo que bateu recordes quando oferecido no PlayStation Plus (tendo-se tornado na altura o jogo mais descarregado das ofertas do serviço de sempre), e que nos levava a uma aventura na terceira pessoa ao estilo cyberpunk.

Tratando-se de uma narrativa gráfica, obviamente que o principal fator responsável por fazer chegar Life is Strange às bocas de todo o mundo foi a sua excelência narrativa. Mas também Remember Me nos trazia um enredo bastante bom, devendo-se as notas medianas que recebeu dos críticos e as opiniões mistas dos fãs essencialmente às suas falhas em termos de mecânicas de combate e exploração.

Depois de uma experiência positiva com Life is Strange, o estúdio resolveu arriscar de novo em jogos que conjugam, como Remember Me, um bom enredo com uma experiência de ação em terceira pessoa comum, agora no género dos action RPGs e numa sombria, desesperada, pestilenta e sangrenta Londres de 1918 , com Vampyr.

Quanto à estória do jogo, não é necessário dizer muito. Dizer que o jogo é da Dontnod Entertainment basta. A qualidade está garantida. Encontrarão vários momentos de diálogo com muitas personagens diferentes, e é notável como mesmo às mais secundárias foi dada uma boa profundidade. As personagens fazem-nos sentir que são reais, e todas têm os seus modos únicos de reagir ao que dizemos (e mesmo a outros elementos, como a nossa aparência) e de comunicar. Mesmo quando se tratam de personagens que apenas existem para nos dar missões secundárias, os diálogos foram bem trabalhados e no geral não se sentem forçados ou sempre iguais, como acaba por acontecer em muitos RPGs. Infelizmente, um problema comum a estes jogos volta a estar presente, e que é o facto de se notarem diferenças, embora não demasiado notáveis, entre o detalhe dado aos protagonistas e o que foi dado a alguns personagens secundários, o que acaba por ser perfeitamente normal e compreensível.

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O paranormal mescla-se com ciência real e com a soberba capacidade da Dontnod Entertainment no universo de Vampyr.

O único ponto menos positivo em relação à narrativa é de que embora a mesma esteja com bastante qualidade e apresente vários elementos necessários para um bom enredo (bom desenvolvimento das personagens, diálogos naturais, coerência e verosimilhança dos acontecimentos, etc.)… a estória não é muito original. O objetivo da Dontnod Entertainment foi a de oferecer uma clássica experiência de vampiros, agora em forma de videojogo, e é isso que encontramos. Outros temas também estão presentes, como: o do herói confuso à procura de resposta; a procura de vingança ou o de uma tragédia inicial  que traz grande culpa ao herói. Nenhum destes, contudo, é realmente original, o que pode decepcionar aqueles que queriam encontrar aqui algo de completamente novo no (enorme) universo de histórias sobre vampiros.

Como referido, a questão que limitou fundamentalmente Remember Me foi a da aplicação das boas ideias da Dontnod Entertainment a alguns elementos do jogo, nomeadamente às mecânicas de combate (o qual ficou bastante repetitivo). Daí que surja naturalmente a questão: o mesmo terá acontecido em Vampyr? Infelizmente, apesar do notável esforço do estúdio: sim. Temos de novo uma aventura em que existe uma disparidade entre a qualidade da narrativa e a profundidade das cinemáticas e os elementos de combate e exploração. Não é que Remember Me tenha um mau sistema de combate, apenas que simplesmente este não está simplesmente ao nível da narrativa. O mesmo se passa com Vampyr. Não é que os jogos sejam maus, simplesmente não passam de um mediano/bom, não chegando ao nível de Life is Strange.

O combate de Vampyr, apesar de com o avançar da aventura se tornar mais complexo e diversificado, acaba por consistir no seguinte processo em repetição, intervalado apenas pelo recurso aos nossos poderes vampíricos ou pelo sugar de sangue do nosso inimigo: esquivar e e esquivar dos ataques dos inimigos até conseguirmos uma boa posição; e atacar com uma arma recolhida ou criada anteriormente, como um punhal ou bastão.

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As habilidades de Reid são variadas e podem mudar de forma decisiva o combate. Escolham bem de entre as vossas opções.

Como controlamos um vampiro, que também é médico, o Dr. Jonathan Reid, não é de estranhar que o tema da morte e da moralidade de sugar o sangue a possíveis e apetecíveis vítimas esteja presente. A maneira como a Dontnod Entertainment introduziu esta questão é genial, mas ultimamente acaba por falhar o seu propósito. Em dadas alturas da vossa aventura por este mundo aberto de Londres no último ano da Primeira Grande Guerra (e na altura da infestação provocada pela “gripe espanhola”), (supostamente) irão estar com bastante necessidade de ganhar experiência para evoluir e poder defrontar inimigos mais poderosos, agora também com habilidades mais poderosas no vosso cartório. Para isso, poderão sugar o sangue de qualquer civil (o que afeta certos momentos da narrativa, embora (obviamente) não de uma forma muito impactante). Estes são aqueles que vos dão missões secundárias e que vos oferecem novas informações, o que significa que terão bastante a beneficiar em completar essas missões e recolher essas informações antes de fazerem o “vosso serviço”. O que torna o ato ainda mais repugnante. Contudo, infelizmente o jogo não é suficientemente desafiante para nos colocar realmente perante dilemas do género: este NPC confiou tanto em mim e já falei com ele e dei-lhe ajuda… não lhe quero sugar o sangue; mas por outro lado preciso mesmo, mesmo de avançar. O jogo tenta realmente que nos coloquemos nesta posição de dificuldade, mas nunca sentimos uma grande pressão para levarmos Reid a ter comportamentos moralmente questionáveis (para além de alguns que tem obrigatoriamente durante a história), o que acaba por ser mais uma excelente ideia… mas mal aproveitada.

A ironia de um médico que por outro lado ceifa vidas também não é nova, e faz-nos facilmente lembrar do conto de R. L. Stevenson, O Médico e o Monstro, mas foi bem traduzida para um jogo sobre vampiros. A música ambiente está excelente e consegue transmitir de uma forma muitas vezes surpreendente o sinistro e desconforto que se conseguem quase que ver nas ruas, paredes e interiores da cidade devastada de Londres, que está exemplarmente representada, com gráficos muito bem trabalhados e com esquemas de cores que conseguem fazer com que um jogo que é praticamente todo passado em cenários de escuridão, consigamos ver bem o que estamos a fazer, e isto de uma forma natural.

Opinião Final:

A Dontnod Entertainment, sendo um estúdio recente, ainda está a explorar as suas possibilidades e limitações. E até agora tem-se mostrado como exímia em termos de criar narrativas que nos prendem ao ecrã, coerentes e com personagens bem trabalhadas, sendo Vampyr um belo exemplo desta capacidade. Infelizmente, não tem sido tão boa a oferecer combates que consiga estar ao nível dos excelentes enredos que nos oferece (muito embora não sejam maus), o que também se nota em Vampyr. O que parece apontar que esta equipa talvez conseguisse alcançar a excelência continuando pelo género de que faz parte Life is Strange. Como seria ver a Dontnod Entertainment a competir com a Telltale Games? Ou a bater-se de frente com séries como Professor Layton ou Ace Attorney? O potencial parece estar lá.

Apesar das suas falhas, Vampyr é um jogo sólido e muito possivelmente a melhor oferta em termos de jogos de vampiros que podem encontrar em todo o mercado. A aventura de Dr. Jonathan Reid é negra, cheia de momentos de moralidade duvidosa, plot twists, criaturas paranormais e desespero. Quem gosta deste tipo de narrativas fora do mundo dos videojogos, não o pode deixar passar.

Do que gostamos:

  • Música ambiente fenomenal e adequada de forma perfeita aos momentos de jogo;
  • Visuais adequados ao tema e ao cenário que pretendem representar (Londres, 1918, devastada pela gripe espanhola e pela guerra);
  • Integração de dilemas morais como modo de controlar a dificuldade do jogo;
  • Um bom enredo com uma clássica história de vampiros…

Do que não gostamos: 

  • … que, no entanto, não foge muito de lugares-comuns do género;
  • Sistema de combate acaba por se tornar repetitivo;
  • Acaba por ser uma experiência demasiado acessível.

Nota: 7,5/10

Esta análise foi escrita com base na versão PC do jogo, gentilmente cedida pela Ecoplay.