
Wuchang: Fallen Feathers é um título que chega à PlayStation 5 com a promessa de mergulhar os jogadores numa versão fantástica e sombria da China da dinastia Ming. Desenvolvido pela Leenzee Games e publicado pela 505 Games, este RPG de ação bebe fortemente da escola dos chamados “soulslike”, herdando da série Dark Souls e de outros títulos semelhantes tanto a dificuldade como o foco na construção de mundo, combate meticuloso e narrativa fragmentada. Ainda assim, procura diferenciar-se com uma ambientação profundamente enraizada na mitologia chinesa e um sistema de combate que procura misturar técnica com um toque místico.
O jogo coloca-nos na pele de Bai Wuchang, uma guerreira amaldiçoada com uma misteriosa doença que provoca o crescimento de penas negras no seu corpo. Esta condição não é apenas um elemento estético, mas está diretamente ligada aos poderes especiais da protagonista, sendo uma parte central da narrativa e da progressão do jogo. Bai é uma figura que oscila entre a condição humana e algo mais sombrio, uma transição física e metafórica que acompanha todo o desenrolar da história. A sua jornada leva-a por vilas abandonadas, florestas assombradas, templos esquecidos e cidades corroídas pela doença e pela guerra, sempre com uma atmosfera pesada, carregada de melancolia e mistério.

A ambientação de Wuchang: Fallen Feathers é um dos seus trunfos mais fortes. A equipa de desenvolvimento demonstrou um cuidado visível na construção de cenários que evocam não apenas o passado histórico chinês, mas também as suas lendas e superstições. Os ambientes são ricos em detalhes, desde estátuas em ruínas até relíquias religiosas, passando por edifícios semi-destruídos e paisagens naturais enigmáticas. Há uma sensação de mundo vivo, ainda que em decadência, que contribui para a imersão e para a constante sensação de ameaça. No entanto, esta atenção ao detalhe visual nem sempre se traduz em diversidade. Ao longo das primeiras dezenas de horas, nota-se alguma repetição de estruturas, texturas e elementos decorativos, o que pode quebrar ligeiramente o impacto inicial.
No que diz respeito ao combate, Wuchang aposta numa abordagem onde o timing e a paciência são fundamentais. Cada confronto exige leitura do inimigo, gestão de stamina e aproveitamento das oportunidades certas para atacar. O sistema de combate é fluido, com animações bem trabalhadas e uma boa resposta aos comandos. As armas disponíveis dividem-se em várias categorias, como espadas longas, lâminas duplas, lanças e machados pesados. Cada uma possui um ritmo próprio e incentiva o jogador a adaptar a sua abordagem consoante o tipo de inimigo. Além disso, existem magias e habilidades especiais que Bai pode desbloquear à medida que avança, e que se baseiam nos efeitos da sua condição sobrenatural.
O sistema de progressão permite criar builds bastante distintas, e um dos pontos positivos do jogo é a possibilidade de redistribuir os pontos investidos a qualquer momento. Isto incentiva a experimentação e evita a frustração típica de jogos em que uma escolha mal feita nas primeiras horas penaliza o jogador até ao final. Existem também múltiplos estilos de combate desbloqueáveis que expandem o leque de movimentos de cada arma, e o jogador pode alternar entre dois estilos equipados durante o combate, criando assim combinações interessantes e táticas variadas.

Os inimigos comuns apresentam uma variedade razoável, indo desde soldados humanos a criaturas grotescas e animais possuídos. Contudo, ao fim de algumas horas, começa-se a notar alguma repetição, especialmente em áreas onde o mesmo tipo de inimigo surge com pequenas variações de cor ou ataque. Já os chefes são, na maioria, o destaque absoluto do jogo. Cada um possui um design visual único e uma cadência de ataque distinta, obrigando o jogador a aprender padrões e adaptar-se. Algumas lutas são verdadeiros espetáculos visuais, combinando cenários grandiosos com movimentos coreografados e momentos de tensão elevada. No entanto, há também algumas batalhas onde a inteligência artificial dos bosses falha, com comportamentos erráticos ou janelas de vulnerabilidade demasiado longas.
A narrativa de Wuchang é transmitida através de fragmentos de diálogo, documentos espalhados pelo mundo e interações ocasionais com personagens secundárias. Tal como nos títulos que o inspiram, cabe ao jogador montar o puzzle da história por conta própria. Este método resulta numa experiência que recompensa a atenção e a curiosidade, mas que pode afastar quem procura uma trama mais direta e estruturada. O universo é fascinante, misturando elementos históricos reais com mitos e folclore, mas a execução narrativa nem sempre consegue manter o mesmo nível de coesão. Algumas personagens parecem surgir e desaparecer sem grande consequência, e certas ramificações da história não têm impacto palpável na progressão.
No que toca à exploração, o jogo oferece mapas semiabertos interligados, com múltiplos atalhos, zonas opcionais e segredos escondidos. Esta estrutura incentiva a revisitação de áreas anteriores com novas habilidades, à procura de caminhos antes inacessíveis ou de itens raros. A verticalidade dos mapas é bem explorada, com plataformas, escadarias, passagens subterrâneas e zonas escondidas que tornam cada região mais densa do que parece à primeira vista. A ausência de um mapa tradicional obriga o jogador a prestar atenção ao ambiente, embora isso possa gerar frustração em secções mais labirínticas ou visualmente semelhantes.
Graficamente, o jogo tira bom partido da Unreal Engine 5, oferecendo efeitos de iluminação e partículas bastante convincentes, além de texturas detalhadas e modelos de personagens bem animados. A performance na PS5 é maioritariamente sólida, com 60 fps estáveis na maior parte do tempo. No entanto, existem situações pontuais de quedas de performance, sobretudo em zonas com muitos efeitos visuais ou com múltiplos inimigos no ecrã. A presença de algum screen tearing e stuttering em momentos mais intensos pode prejudicar a fluidez, especialmente em jogadores mais exigentes com a estabilidade do framerate.

A componente sonora é outro ponto forte. A banda sonora mistura instrumentos tradicionais chineses com arranjos orquestrais modernos, criando uma identidade auditiva muito própria. Os efeitos sonoros estão à altura, desde os impactos das armas até aos sons ambientes que dão vida ao mundo. As vozes, especialmente da protagonista, são bem interpretadas, ainda que grande parte da narrativa decorra em silêncio, com o som a servir mais como ambientação do que como veículo narrativo.
O jogo conta ainda com um sistema de moralidade e escolhas que afetam o rumo da história e o desfecho final. Dependendo das decisões tomadas e das interações com certas personagens, é possível desbloquear múltiplos finais. Esta camada adicional de personalização narrativa contribui para a longevidade do jogo e aumenta o fator de rejogabilidade, ainda que as diferenças entre os finais não sejam sempre substanciais. A presença de bosses opcionais e zonas inteiras que podem ser ignoradas por completo reforça essa ideia de que cada jogador pode viver uma jornada distinta.
Em termos de qualidade de vida, o jogo ainda apresenta margem de melhoria. A interface pode ser confusa em certos menus, especialmente na gestão de inventário e atribuição de magias. O sistema de checkpoints é generoso o suficiente para evitar frustração excessiva, mas nem sempre está bem distribuído, o que pode levar a repetições longas em secções difíceis. A ausência de explicações claras sobre alguns sistemas mais complexos também dificulta a vida a quem não está familiarizado com o género.
Opinião Final:
Wuchang: Fallen Feathers é, no essencial, um título ambicioso que tenta afirmar-se num género já muito saturado. Tem momentos de brilho, com lutas memoráveis, ambientação riquíssima e uma protagonista intrigante. Mas também tropeça em questões técnicas, escolhas narrativas inconsistentes e alguma repetição estrutural. Para fãs de soulslike, é uma experiência a considerar, especialmente para quem procura uma abordagem com um forte cunho cultural e estético diferente do que o Ocidente costuma oferecer.
Do que gostamos:
- Combate técnico, fluido e gratificante;
- Arte, música e ambientação únicas, inspiradas na China Ming histórica e mitológica ;
- Grande variedade de armas, magias e builds personalizáveis;
- Mundo interconectado com múltiplos atalhos e finais diferentes.
Do que não gostamos:
- Narrativa confusa e pouco aprofundada;
- Repetição de assets e bestiário limitado ;
- Curva de dificuldade irregular;
- Visualmente imponente, mas falta surpresa estrutural nos ambientes.
Nota: 7,5/10
Análise efetuada com um código PlayStation 5 cedido gentilmente pela distribuidora.